Manifesto 6.6.6





Faze o que tu queres será o todo da Lei.


Tem uma coisa que realmente me irrita: criaturas espiritualizadas. Sabe aquele tipinho que anda com um ar um tanto quanto beatífico, com um monte de penduricalhos místico/esotéricos? Ou então do tipo que vê espíritos benignos em qualquer torrada mal-passada? Ou que desfila por aí com um séquito de anjos luminosos e bonzinhos? Coisas do tipo. Irritam-me. Muito. Todos eles se acham formas de vida superiores, não comem carne por amor a seus irmãozinhos animais, sorriem para qualquer um que pise no pé deles e estão sempre com um monte de atitudes “espiritualmente evoluídas”. Cá entre nós, Joãozinho, se você é assim, permita-me dar-lhe uma martelada no meio da testa para ver se você acorda: você está vivendo em um mundo de faz-de-conta. Acorda para cuspir!

Uma das maiores falácias dos espiritualóides é essa idéia de que um mundo equilibrado é um mundo onde todo mundo sorri que nem idiota, sem “sentimentos negativos”, sem agressividade ou coisa do tipo. Consideram-se superiores por não participarem da violência do mundo, por não aceitarem a dor e passarem pelas provações sempre com tranqüilidade. Só que esquecem de um pequeno detalhe... Alguém aqui conhece experiência mais violenta, dolorosa e traumática do que o nascimento? Pois é, você está ali, tranqüilão no seu líquido amniótico, quentinho e protegido, em um escurinho legal, bom para tirar um cochilo daqueles. E, de repente, tudo começa a ficar apertado, a sacudir, até que você tem de passar por um buraquinho que nem tinha percebido que estava lá e ir para um inferno iluminado, seco, barulhento e cheio de umas coisas estranhas com ficam indo para lá e para cá, onde aquela coisa seca precisa entrar pelo seu nariz para você ficar vivo; fora outros horrores. Que inferno, não? É, se chama vida. A vida começa com dor, trauma e violência. É justamente nesse sofrimento todo que descobrimos que já não somos mais o que éramos e nos tornamos outra coisa: de fetos passamos a gente. Ou quase, pelo menos. E da mesma forma que começa, a vida continua. A vida se alimenta da vida. Tudo o que vive precisa da destruição de alguma coisa para continuar vivendo. As plantas se alimentam dos restos de matéria orgânica de composta no solo. Os animais se alimentam das plantas. E de outros animais. Vida consome vida. Se me permitem a citação:


[...] um dos grandes problemas da mitologia é conciliar a mente com essa pré-condição brutal de toda a vida, que sobrevive matando e comendo vidas. Você não consegue se ludibriar comendo apenas vegetais, tampouco, pois eles também são seres vivos. A essência da vida, pois, é esse comer-se a si mesma! A vida vive de vidas, e a conciliação da mente e da sensibilidade humana com esse fato fundamental é uma das funções de alguns daqueles ritos brutais, cujo ritual consiste basicamente em matar — por imitação daquele primeiro crime primordial, a partir do qual se gestou este mundo temporal, do qual todos participamos. A conciliação entre a mente humana e as condições da vida éfundamental em todas as histórias da criação.
Joseph Campbell in O Poder do Mito
ed. Palas Athena, São Paulo, 2007


Pois é, Joãozinho... Enfie logo nessa sua cabecinha evoluída que a vida não é um mar de rosas onde tudo é lindo e todos se amam e andam de mãos dadas por uma paisagem cheia de bichinhos fofos. A vida é feita de conflito, de luta, de nascimento e morte contínuos. Viver envolve dor, envolve receber marcas no seu corpo e, muitas vezes, ser o agente das cicatrizes alheias. Isso é a vida real, aquela que entende o poder e a necessidade do ciclo de morte e renascimento, não apenas do corpo, mas da alma, da sociedade e da mente.


“Oh, que horror! Que feio!” grita nosso espiritualizado Joãozinho. “Mas eu sou um espírito evoluído, estou acima dessas coisas feias e malvadas” Ledo engano, rapaz! Enquanto você tiver esse seu corpinho — debilitado pela falta de proteína — e viver nesse mundo regido pela dualidade, você pode se achar evoluído o quanto quiser, mas ainda vai estar preso a essa regra fundamental da vida. Sinto lhe dizer (na verdade, não sinto, não), mas você ainda está no mesmo barco que todos nós. E o que é pior: está perdendo o bonde da consciência. A verdadeira espiritualidade não pode ser, e não é mesmo, um ato de auto-ilusão. É uma tomada de consciência sobre quem você é e da realidade da vida, no mundo em que vivemos; não no mundo de nuvens cor-de-rosa dos sonhos. E vivemos justamente nessa existência de dor, conflito, morte. Porque éjustamente por essa existência que aprendemos o valor da vida, a realidade da passagem por seus ciclos e aprendemos, acima de tudo, a aceitar as regras do jogo. Quanto mais rápido você tomar consciência dessas regras e aceitá-las, melhor será o seu caminho de evolução espiritual. Evolução espiritual não é a negação da vida, é o aceitar do seu papel no grande esquema do Universo e cumpri-lo da melhor forma possível. Não tem nada a ver com negação. Ser evoluído, meu caro Joãozinho, não é deixar de traçar uma bela picanha acompanhada de cerveja em um churrasco. Ser evoluído é ter a consciência de que a vaquinha que morreu para você tascar os dentes nas carnes dela, bem como as plantinhas que morreram para você beber sua cervejinha gelada, fazem parte do mesmo esquema da vida que você faz. E isso significa, meu caro iludido, que você também vai ter de dar a sua vida mais dia, menos dia. Uma hora você também vai ter de fazer o seu sacrifício para que outra vida possa tomar o seu lugar. Mesmo que seja para que um outro você tome o lugar do antigo.


Amor é a lei, amor sob vontade.


Tráfico de Informação, a gente toma e compartilha...

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Oleh

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1 comentários:

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Anônimo
23 de julho de 2013 às 17:03

O mundo que você aponta não é mais real que o mundo que eles apontam, tampouco o meu. Tudo é auto-ilusão, até mesmo a dor, sequencia de um reflexo de auto-preservação do seu organismo, cujo o cérebro criativo humano insiste em criar toda uma estória em torno da sensação.
Nascer é acordar pro 3d, morrer é nascer na 4d e assim por diante, preso neste corpo, preso no próximo.. quantas cascas ainda virão? não sei. quem sabe? Matrioshka meu caro.
Vamos pular fora deste ciclo do carbono? esta é a cela.

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